quarta-feira, 9 de maio de 2018

Mudanças no episcopado: qual a missão de um bispo?



Como um pastor, ele apascenta o seu rebanho 
(ilustração de Berna  Bernadette Lopez, reproduzida daqui)


O padre António Luciano dos Santos Costa, 66 anos, foi nomeado bispo de Viseu na quinta-feira passada, dia 2, substituindo assim o actual titular, D. Ilídio Leandro. O novo bispo, que será ordenado 17 de Junho e tomará posse da diocese em Julho, já foi enfermeiro antes de ser padre.
Essa experiência anterior leva António Luciano Costa a afirmar que a missão da Igreja Católica no mundo deve ser antes de mais “sinal de salvação junto dos mais frágeis, dos doentes, dos débeis, de todos os que hoje precisam de ajuda”, numa atenção muito grande à “saúde integral das pessoas”
A nomeação do novo bispo de Viseu surge num momento em que ocorrem várias mudanças no episcopado português. Desde Novembro, José Traquina é o novo bispo de Santarém e, em Março, Manuel Linda foi nomeado para novo titular da diocese do Porto, cargo de que tomou posse a 15 de Abril – resolvendo, neste caso, a substituição de D. António Francisco dos Santos, que morreu em Setembro, depois de ter marcado indelevelmente a sua passagem pela diocese (como já antes por Aveiro). 

Sustentação, governo, solidariedade e trabalho

No caso do Porto, o novo bispo, Manuel Linda, tem pela frente problemas vários na estrutura da diocese. Nas suas primeiras declarações, falou de temas como a sustentação do clero, a homossexualidade ou a dinâmica sinodal enquanto “capacidade de ouvir as estruturas e as pessoas”; da necessidade de os padres estarem “nas ruas”, onde vivem as pessoas; e do caminho “equilibrado” que Braga escolheu para a aplicação dos critérios sugeridos pelo Papa na exortação Amoris Laetitia, sobre a família; e ainda perguntava sobre a razão de algumas pessoas se deixarem cativar pelas missas em latim, dizendo que talvez os padres e bispos se tenham de penitenciare referiu-se ainda à valorização do diaconado feminino. 

No momento da despedida, o até agora bispo de Viseu, Ilídio Leandro, falava, em entrevista à TSF, das exigências ao poder político, do uso do preservativo (“o aborto nunca, mas o uso do preservativo pode ser equilibrador duma relação a dois”) e acerca dos católicos recasados, dos quais diz que “a Igreja está mandatada para não deixar perder as pessoas”. 
Ilídio Leandro diz que procurou, nos 12 anos como bispo de Viseu, governar “em comunhão com as pessoas”. E, sobre o governo do país, diz que não o afecta “ser de esquerda ou de direita, desde que os direitos humanos das pessoas, sobretudo das que mais precisam, sejam salvaguardados” e que os políticos olhem para “os problemas das pessoas e, concretamente, do interior”. 
Ainda traumatizado pela devastação dos incêndios que mataram 19 pessoas na sua diocese, enaltece, entretanto, a generosidade de muitas pessoas e o trabalho da Cáritas.
 
Em entrevista ao Público e à Rádio Renascença, o bispo de Santarém, José Traquina, falou sobre as instituições sociais católicas, que considera afectadas pelo vaivém de prioridades da tutela do sector e que diz não estarem preparadas para serem “empresas”. 
Responsável de uma diocese “entalada” entre o rio Tejo, uma linha de comboio e uma auto-estrada e com características próprias das cidades, vilas e aldeias, o bispo José Traquina considera que “não pode ser só o mérito” a definir o pagamento do trabalho: “As pessoas podem não ter a mesma habilitação, a mesma formação, mas têm uma família para criar”. Neste outro excerto da entrevista, o bispo de Santarém fala também dos católicos divorciados que voltaram a casar.

Uma missão: ouvir a todos

O Papa Francisco tem-se referido várias vezes ao papel do bispo na Igreja, sendo muito cáustico com atitudes menos evangélicas. Em Novembro de 2014, afirmou: “Há bispos que fazem todo o possível por chegar [ao cargo], e quando o fazem se pavoneiam, e vivem unicamente para sua vaidade”. 
Sexta-feira passada, o Papa voltou a referir-se ao tema, dizendo ser necessária a vigilância dos bispos para confirmarem os fiéis na verdadeira fé, como recordava Fernando Calado Rodrigues na sua crónica no JN desta segunda-feira. “Para ser fiel às palavras de Cristo, é necessário muitas vezes abandonar costumes e tradições, anacrónicas, que alguns teimam em continuar a impor.”
No número 31 da Evangelli Gaudium, Francisco resume o que, no seu entender, deve ser a missão do bispo: favorecer a “comunhão missionária” da sua diocese, seja “para indicar a estrada e sustentar a esperança do povo”, para ser próximo e misericordioso com todos, ou “para ajudar aqueles que se atrasaram”. Mas, acrescenta o Papa, é missão do bispo também “ouvir a todos, e não apenas alguns sempre prontos a lisonjeá-lo”. 

Secretismos e nomes atirados ao ar 

Em Portugal, além dos novos lugares já preenchidos, falta ainda encontrar novos bispos para Évora(resignatário desde Abril de 2016), Funchal (desde Abril de 2017) e Vila Real (Abril de 2018), depois de os respectivos titulares terem apresentado o pedido de resignação, por terem completado 75 anos. 
Para muitas pessoas dentro da Igreja, o secretismo do processo é  cada vez mais anacrónicos. Disso mesmo dava conta uma pequena nota do padre José Luís Rodrigues, da diocese do Funchal, no blogue O Banquete da Palavra: “Eu gostava de saber, que para além de se andar a jogar nomes para papelinhos ou para o ar, estava a nossa comunidade diocesana (católicos e porque não até não católicos, um bispo é de todos e para todos sem ser de ninguém) a debater perfis, onde se tinha em conta, as qualidades, a competência, o testemunho cristão, a solicitude pelos mais pobres, a coragem profética, a convicção da fraternidade sacerdotal e universal, os ideais de transparência e capacidade de diálogo... Entre tantos outros elementos que podem servir para que tenhamos um bispo com perfil aproximado ao de Jesus de Nazaré.”
Ao mesmo tempo, também há quem conteste o papel que os núncios têm, uma vez que acabam por determinar, em grande parte, as escolhas que são feitas, nem sempre consensuais

Os pés descalços e a ovelha ferida

Vale a pena evocar, a propósito, o bispo brasileiro José Maria Pires, conhecido como o bispo de pés descalços, que morreu em Agosto do ano passado, aos 98 anos e que, quando foi nomeado, em 1957, era o único bispo negro do Brasil. “Desde muito cedo aprendeu a arte do bem falar: silêncio primeiro, palavra adequada depois. Em seguida assume com primor e delicadeza, a certeza de ser um bispo pastor: amigo, evangélico, simples e, sobretudo, servidor dos empobrecidos”, dizia Fernando Altemeyer Junior, num texto que pode ser lido aqui
Voltando a Portugal, também o padre Bernardino Andrade, 80 anos (nascido em Moçambique, trabalhou nos Estados Unidos da América e hoje reside na Madeira, onde celebra a eucaristia em inglês), caracterizava, numa entrevista em Fevereiro ao Diário de Notícias, do Funchal, o que espera de um bispo: “Que saiba escutar e que não se deixe proteger por apenas alguns padres bons e amigos em quem ele confia, mas que vá ao encontro de todos. Que tenha como modelo a pessoa do Bom Pastor que deixa as 99 ovelhas ‘boas’ e sai à procura daquela ovelha que não presta, que não concorda com ele, que talvez o envergonhou e quando a encontra, fica feliz por a encontrar. Não porque a ovelha seja boa mas porque ele é bom. Ele é o Bom Pastor. E quando encontra a sua ovelha perdida ou afastada, mesmo que ela esteja ferida, ensanguentada, cheirando a urina e a fezes, a carregue aos ombros e a leve para casa. Mesmo que ela não queira ir. Se essa ovelha mostrar que passa bem sem ele, o Bispo-Bom Pastor vai provar que não pode viver sem a sua ovelha e que ele a ama sem condições. Porque ele é bom. Ele é o Bom Pastor.” (a entrevista está disponível aqui na íntegra)

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