terça-feira, 28 de maio de 2013

O sentido do outro na economia

Uma “Conversa à Capela” sobre o sentido do outro na economia decorre esta quarta-feira, 29, na Capela do Rato (Calç. Bento da Rocha Cabral), em Lisboa, a partir das 21h30. A iniciativa conta com intervenções dos economistas Manuela Silva (docente jubilada do ISEG) ) e José Tavares (Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa). Mas o ponto de partida é o livro de Elena Lasida, O Sentido do Outro. A crise, uma oportunidade para reinventar laços, das Edições Paulinas.
Elena Lasida esteve em Lisboa várias vezes. Em Março de 2012, participou numa conferência da Fundação Betânia. No final, fiz-lhe uma pequena entrevista, que deu origem ao texto que a seguir reproduzo, publicado a 15 de Abril de 2012, na revista Público/2 (e de onde reproduzo também a foto).

Elena Lasida, 52 anos, é mulher de vários saltos. Uruguaia de nascimento, resolveu um dia ir da América Latina para a Europa, passando a viver em França em 1992. Economista de formação, passou a interrogar a economia a partir da teologia, reconhecendo os limites da ciência económica. Professora universitária de profissão, não resistiu a fazer trabalho associativo, empenhando-se no apoio a estrangeiros sem papéis que vivem, indocumentados, na região de Paris.
Há 10 anos que Elena Lasida preside à Rede Cristãos-Imigrantes, que ajudou a criar há quase duas décadas. A rede surgiu na sequência de ocupações de igrejas por parte de imigrantes indocumentados. Recorda, dessa altura, um africano que se chamava Mohamed e que, no processo para adquirir a nacionalidade francesa, queria mudar o nome para Michel. “O nome está muito ligado à identidade de cada um, mas ele sentia que o nome o discriminava no acesso ao trabalho e ele não queria isso. A sua história impressionou-me muito, era como renunciar a uma parte de si mesmo”, diz Lasida à 2.
Não foi fácil, pois as próprias comunidades católicas estavam – estão, ainda – divididas sobre a questão da imigração. Mas foi possível mobilizar pessoas, franceses e imigrantes. “A primeira coisa foi pormo-nos de acordo em acolher os imigrantes, convertendo a ocupação em acolhimento nas igrejas.”
Hoje, a rede, de carácter informal, mobiliza centenas de pessoas em duas dezenas de paróquias e movimentos católicos, aos quais se juntam protestantes, ortodoxos e outros crentes, a propósito de iniciativas concretas. O seu trabalho abrange essencialmente três frentes: cursos de alfabetização, apoio jurídico e a organização de um jantar mensal, onde se trocam pratos franceses e estrangeiros – e que se intitulam “o gosto do outro”, também título do último livro que publicou (Le goût de l’autre – La crise, une chance pour réinventer le lien, ed. Albin Michel).
Lasida procura, desde há muito, ligar modos diversos de estar na vida. “Procuro juntar duas maneiras diferentes de olhar a realidade, a partir do Norte e do Sul. Procuro juntar duas maneiras diferentes de pensar a realidade, a partir da economia e da teologia. E procuro juntar duas maneiras diferentes de transformar a realidade, unindo a teoria académica e a prática associativa”, diz.
Há duas semanas, a economista esteve pela segunda vez em poucos meses a fazer uma conferência em Portugal. Depois de ter sido oradora principal, em Setembro, na Fundação Gulbenkian, a convite da rede Economia Com Futuro, Elena Lasida voltou agora ao país, a convite da Fundação Betânia, em Lisboa, e da Universidade Católica, no Porto. Desta vez, para falar sobre: “Que futuro para a economia – contributos da antropologia judaico-cristã”.
Um tema improvável. Ou talvez não, tendo em conta o trajecto desta economista-teóloga. Foi mesmo a teologia que a levou a fazer perguntas ao trabalho de economista. E a tentar introduzir o transcendente na ciência económica: “A transcendência, na economia e em geral, vem sempre através da relação. É o outro que me reenvia para além de mim mesmo. Na relação, há sempre essa experiência da transcendência.” A sua participação na Rede Cristãos-Imigrantes nasce da mesma convicção: “Em relação aos estrangeiros, é a experiência do outro, diferente, que me reenvia para lá de mim mesma, que é central. Por isso, a transcendência está lá.”
A questão dos imigrantes remete para um dos cruzamentos da economista: “Venho do sul e vivo no Norte. A fronteira entre o Norte e o Sul atravessa-me no interior de mim mesma e cruzo-a todos os dias, mesmo que não me mova.” Mas não se trata apenas de atravessar fronteiras: “O meu olhar sobre o Sul está pintado de Norte e o meu olhar sobre o Norte está pintado de Sul. É impossível hoje separar o que corresponde a um lado e a outro.”
Outros confrontos, então. O que liga a vida académica e o empenhamento social – além da Rede Cristãos-Imigrantes, Lasida integra o comité de redacção da revista Transversalités, anima grupos de pesquisa sobre o desenvolvimento sustentável e sobre novas solidariedades Norte-Sul e faz parte da direcção da Cáritas de França. Convidada com frequência para debates e conferências, entende isso também como forma de “tocar o terreno”: “Muitas vezes são pequenos grupos de pessoas que estão verdadeiramente comprometidas na acção e me pedem que vá ao seu encontro. Aprendo muitas coisas a partir das questões com que elas se confrontam.”
E ainda o confronto da teologia, ciência que remete para o transcendente, e da economia, onde se trata a mais material dimensão da vida das pessoas. Foi a teologia que a levou a fazer perguntas à sua formação de economista, explica. “Onde está a vida? O que faz viver? Qual é a fonte da vida? A vida não é apenas a material, a satisfação de necessidades físicas, mas é também o seu sentido. É essa a questão que a teologia coloca à economia: o que dá sentido à vida?”
Elena Lasida admite que, hoje, a economia não cuida da vida como deveria. “Ela tem reduzido a vida, em grande parte, ao conforto material e ao acesso à riqueza financeira e material. E isso significa que deixa de lado uma parte essencial da vida.” Daí que, na sua tese, tenha decidido abordar a questão da transcendência na economia: “A economia é um lugar de relação entre pessoas que têm interesses opostos e nesse sentido é uma fronteira. Como qualquer fronteira, pode ser um lugar de separação ou de reunião. O que é importante é que a economia não se pode pensar sem se abrir a qualquer coisa que nos escapa.”
Está em causa a questão dos limites: “É a partir do reconhecimento dos seus limites que a economia pode dialogar com as outras disciplinas”, diz. Afirmação ainda mais premente nos tempos que correm: “Na sua torre de marfim, a economia sentir-se-à sempre superior. O trabalho interdisciplinar supõe que cada disciplina se deixa interrogar, desarmar pela outra com a finalidade de fazer um verdadeiro trabalho de elaboração colectiva.”
Não por acaso, a economista, professora e vice-reitora para a Investigação na Faculdade de Ciências Sociais e Económicas do Instituto Católico de Paris, dirige também um mestrado em Economia Solidária e Lógica do Mercado. Porque, diz, é preciso relacionar, por exemplo, conceitos bíblicos como aliança e promessa com definições e critérios económicos. “A aliança é o contrário do domínio, supõe uma relação de interdependência e corresponsabilidade”, que vai muito além da noção de contrato que domina as relações económicas.
O comércio justo, aponta, pode ilustrar como concretizar o conceito de aliança na economia: “Supõe um projecto comum entre produtor e consumidor, em que cada um toma em conta também o interesse do outro”. O produtor respeita condições sociais e ambientais, o consumidor aceita pagar um pouco mais para ter em conta as necessidades do produtor.
Do mesmo modo, o microcrédito reenvia para a noção de promessa, ultrapassando os conceitos de risco e garantia, dominantes na economia: na finança clássica, as pessoas são uma “ameaça” perante as quais nos devemos proteger, diz; no microcrédito, cada pessoa é uma “promessa de vida”.
Perante o domínio da grande finança, Elena Lasida não tem uma solução. Mas tem uma convicção profunda: “É preciso pensar a finança de uma outra maneira completamente diferente. A finança tem uma primeira finalidade que é justamente financiar a economia real, elas não é uma finalidade em si mesma. O dinheiro deve ser para a produção real e para fazer circular os bens – e, por isso, as relações. Trata-se de reencontrar essa função primeira do dinheiro.”

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