terça-feira, 12 de março de 2013

Diário de um conclave (2) - Mais democracia na eleição do Papa


Em Fevereiro de 2001, escrevi no "Público" este comentário, que actualizei apenas no que se refere aos nomes e números dos protagonistas dos últimos anos. O seu sentido parece-me continuar actual, precisamente na hora em que, na Capela Sistina, os cardeais começam o processo de escolha de um novo Papa. 


(Foto: Capela Sistina preparada para o conclave, reproduzida daqui.)

Entre os protagonistas do conclave que elegerá o próximo Papa, há um grande ausente: chama-se Joseph Ratzinger. No entanto, será esse grande ausente quem mais influenciará a eleição do sucessor. É que, ao fim de oito anos de pontificado, foi ele que escolheu 67 dos 115 cardeais eleitores (os restantes foram escolhidos pelo seu antecessor, João Paulo II). Uma situação inadmissível para a Igreja Católica.
A função de cardeal foi instituída em 1050 (há menos de mil anos) pelo Papa Leão IX (que governou entre 1049-54), com o objectivo de ajudar o bispo de Roma no governo da Igreja Católica. Desde 1179, o colégio passou a ser o único órgão a eleger o Papa, substituindo-se assim à tradição sinodal e conciliar, até aí dominante nos processos de decisão da Igreja. Os bispos, incluindo o de Roma, eram eleitos pelos padres e pelos outros fiéis da respectiva diocese.
A instituição do cardinalato tentou resolver o problema da necessária reforma que a Igreja então enfrentava. O papado estava entregue a lutas intestinas entre várias famílias e nobres de Roma e Leão IX queria rodear-se de homens capazes de o apoiar no objectivo reformador. Chamou-os cardeais, nome dado aos padres que então celebravam a missa e os sacramentos nas diferentes igrejas romanas. São estes colaboradores, vindos de fora de Roma, que acabam por, ao longo dos séculos, assegurar cada vez mais o governo central da Igreja, substituindo mesmo a estrutura do Sínodo de Roma.
Hoje, é verdade que o Colégio Cardinalício está mais internacionalizado, e esse é um progresso. Esse caminho, iniciado por Paulo VI, fica a dever muito ao facto de João Paulo II ser um Papa polaco (e teve recuos com Bento XVI). Mas isso não chega: uma estrutura e um cargo que não tem raízes bíblicas nem teológicas deveria ser seriamente repensado pela Igreja Católica. E o argumento da tradição não colhe: instituições como a primeira comunhão têm pouco mais de cem anos e não foi pela falta da tradição que alguma vez deixou de haver comunhão.
Após o Concílio Vaticano II (1962-65), instituiu-se o Sínodo dos Bispos como órgão de consulta e aconselhamento do Papa. Faz todo o sentido, por isso, que seja o Sínodo ou um colégio eleitoral de bispos delegados para esse efeito que passe a eleger o Papa. Para que o bispo de Roma, teologicamente entendido como garante da unidade, não seja escolhido por um conjunto de pessoas que, afinal — e ainda que mais internacionalizado — não representa senão o Papa que os escolheu para tal cargo. Um sistema mais democrático na eleição do Papa não anula, antes aperfeiçoa, a colegialidade ao conjunto dos bispos. 

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