domingo, 19 de abril de 2009

Ciência e religião

"A linguagem da Páscoa". Assim se intitula a edição de hoje da coluna dominical de Bento Domingues, no Público. Centrando-se em Hans Kung [e em particular em O Princípio de Todas as Coisas: Ciências Naturais e Religião, Petrópolis, Vozes, 2007], mas olhando para além dos horizontes da sua "teologia dialógica", Bento Domingues propugna que a "consistência artística, literária, poética, musical da expressão religiosa" seja "apreciada como a grande linguagem da fé".

Os dois pontos finais da sua reflexão:

"Tenho todo o respeito pela teologia dialógica de Hans Küng. Embora também ele frequente os poetas e os músicos - escreveu uma obra sobre Mozart, Wagner e Bruckner -, não me parece que valorize suficientemente a capacidade de conhecimento que existe na arte. A consistência artística, literária, poética, musical da expressão religiosa não é apreciada, pela maioria dos teólogos, como a grande linguagem da fé, a linguagem da Páscoa. A procura da verdade doutrinal desvia, muitas vezes, a atenção do poder cognitivo dos mitos, dos símbolos, dos ritos, das metáforas da linguagem religiosa.
Não se trata de desvalorizar outras linguagens na busca do conhecimento. M.S. Lourenço escreveu-o de forma magistral [in Os degraus do Parnaso, Lisboa Assírio & Alvim, 1982]: "O artista verdadeiro é aquele que alcançou o conhecimento verdadeiro, o qual consiste na percepção da realidade sensível e na intuição da realidade inexprimível." Não contrapõe a procura da Verdade da Literatura à da Ciência, precisando, no entanto, que "esta procura da Verdade não é apresentada da mesma maneira, uma vez que a formulação estética, a criação da forma, é um objectivo da Literatura e não constitui um objectivo do trabalho científico". Por outro lado, hoje, "estamos em condições de poder relativizar a dicotomia entre a intuição e o raciocínio e de restaurar a confiança no papel da intuição no processo do conhecimento e, deste modo, no valor cognitivo da experiência simbólica da obra de arte literária".
E nesta perspectiva que coloca "a questão das fronteiras entre a Literatura e a Religião, a qual também é um domínio de percepção simbólica". Defende "a ideia de que o culto religioso não existe incondicionalmente e que a expressão da experiência religiosa é condicionada pela formulação literária que a descreve, uma vez que esta é o veículo da asserção religiosa. O passo de São João segundo o qual o princípio é o Logos é assim interpretável como exprimindo a ideia segundo a qual o Logos, a fórmula, é a linguagem universal e, portanto também, a da Religião e do seu culto. Assim o problema da verdade da Religião reconduz-se ao problema da verdade das fórmulas da literatura subjacente. Uma doutrina religiosa é apenas tão verdadeira quanto o for a fórmula literária que a transmite".
Para o grande músico teólogo, Olivier Messiaen (1908-1992), "as investigações científicas, as provas matemáticas, as experiências biológicas acumuladas não nos salvaram da incerteza. (...) De facto, a única realidade é de uma outra ordem: situa-se no domínio da Fé. É pelo encontro com um Outro que nós podemos compreendê-la. Mas é preciso passar pela morte e Ressurreição, o que supõe o salto para fora do Tempo."

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